Gestores defendem preservação da Lei das Estatais

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Em meio aos debates para conter a escalada do preço dos combustíveis, as propostas de alteração da Lei das Estatais por parte de lideranças da Câmara dos Deputados e por setores do governo federal são vistas por gestores e representantes dos investidores no mercado de capitais como um retrocesso institucional com graves consequências para a gestão de estatais e sociedades de economia mista.

A referida lei foi aprovada em 2016 como uma resposta aos desvios revelados pela Operação Lava Jato e é considerada um marco na melhoria da governança destas empresas. Entre as diversas melhorias propostas pela legislação, a definição de critérios de elegibilidade para administradores foi o principal ponto que blindou tais companhias da ingerência política e concedeu mais voz aos acionistas minoritários.

No entanto, tal dispositivo impõe limites ao uso das empresas para fins político-partidários, exatamente o que parece ser o interesse da ala política do governo federal. Com isso, as propostas de “reformar” a lei via medida provisória têm ganhado força.

“Se houver mudança no arcabouço, voltarão as pressões políticas para as indicações. Será um grande retrocesso que pode até trazer de volta experiências nefastas relacionadas a diretores das estatais”, afirma Guilherme de Morais Vicente, Vice-presidente da Amec e Sócio da Onyx.

Pelas regras atuais, indicados a cargos de gestão e conselhos de estatais devem apresentar formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado, experiência profissional mínima como servidor público, profissional liberal ou em empresa privada de atuação similar à da estatal e, naturalmente, reputação ilibada. Além disso, são inelegíveis candidatos veiculados a sindicados, que ocuparam cargos em partidos políticos nos últimos 36 meses ou que apresente qualquer tipo de conflito de interesses.

“Hoje não é qualquer nome que é aceito. Existe a verificação das indicações, com exigência de experiência reconhecida, critérios técnicos de seleção e compliance. Tudo isso tem gerado um grau importante de blindagem para as estatais”, resume Régis Abreu, membro do Conselho Deliberativo da Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec) e Sócio-Fundador da Tagus Investimentos.

Além de definir os critérios para nomeações, a Lei das Estatais incentivou também o aperfeiçoamento dos estatutos dessas empresas, com definições mais precisas sobre as atribuições dos administradores e as respectivas responsabilizações, destaca Guilherme. Com isso, os diretores das estatais estiveram mais alinhados com as exigências da legislação, pois se sentiram coagidos pela estrutura de governança. Caso contrário, sentiriam os efeitos da fiscalização de órgãos como Advocacia-Geral da União e Tribunais de Contas.

Outro ponto relevante foram os avanços para o processo de formação de conselhos de administração e fiscal. A legislação permitiu a maior participação de conselheiros independentes nesses órgãos, a maioria deles indicada pelos investidores minoritários.

As restrições e exigências aplicadas pela lei têm gerado efeitos práticos para os resultados das companhias. De acordo com o mais recente relatório da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) do Ministério da Economia, em 2021, as companhias controladas diretamente pela União registraram um lucro líquido recorde, de R$ 187,7 bilhões, e 22 das 28 empresas estatais não dependentes apresentaram resultado positivo.

“Basta comparar a situação, por exemplo, da Petrobras antes e depois do advento da legislação e de seu impacto sobre a companhia. Antes, a petroleira apresentava grande endividamento, com créditos caros e péssimos resultados. Hoje seus resultados estão alinhados com os padrões internacionais”, explica Régis. Ele lembra também dos resultados do Banco do Brasil, que não deixa a desejar se comparado com os principais bancos privados do mercado brasileiro.

Intenção real?

Frente aos efeitos positivos da legislação, gestores questionam qual o real interesse em promover alterações na lei que poderiam reverter os avanços registrados nos últimos anos.

Para Marcelo Mesquita, Sócio da Leblon Equities e Conselheiro da Petrobras, é preciso saber se há uma intenção real de aprimorar a Lei das Estatais ou se seria um subterfúgio de setores do Congresso Nacional para negociar seus interesses.

“Temos de ver se é apenas uma cortina de fumaça ou se realmente há uma proposta concreta para mexer na legislação. Caso seja real, é uma ameaça de voltar aos tempos em que a ingerência política afetava mais fortemente as estatais”, diz o gestor, que acredita que a equipe econômica do governo segue apoiando a lei.

Nesse sentido, ele destaca recente medida proposta pelo Ministério da Economia de criação da figura do comitê de elegibilidade, com o objetivo de emitir pareceres sobre as indicações de nomes antes das assembleias. “O comitê representa um aprimoramento da Lei das Estatais, mas provocou a ira dos políticos, que não conseguem a velocidade desejada por eles na troca dos administradores das estatais”, comenta.

Pelo aspecto econômico, outro argumento contestado pelos gestores é o discurso da necessidade de controle de preços dos combustíveis e tarifas de serviços públicos devido ao retorno da pressão inflacionária, um fenômeno global.

“O que nos preocupa são as pressões que ganham força com a justificativa de conter o processo inflacionário. As medidas são parecidas em vários mercados. Nos EUA, o presidente Joe Biden, por exemplo, também sofre pressão para mudar regras das empresas de energia”, diz Guilherme Vicente. Ele destaca que também no México acontece algo semelhante com propostas de intervenção de preços motivadas pela preocupação generalizada de manter o poder de compra da população.

Atuação dos Investidores

Os investidores vêm se organizando em diversas frentes para se manifestar contra supostas alterações que possam diluir os impactos positivos da Lei das Estatais no gerenciamento das companhias e a Amec têm desempenhado papel relevante neste movimento.

Em junho, a Amec, a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais do Brasil (Apimec Brasil), o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI) e o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social publicaram um documento com um posicionamento contrário às propostas de alteração da legislação.

Segundo as associações, as supostas mudanças na lei podem comprometer os critérios para a ocupação de cargos de membros de conselho de administração e de diretoria, que são a “principal blindagem da legislação contra o risco de captura das empresas estatais por interesses político-partidários”.

O posicionamento destaca que os danos de interferências políticas não se limitam aos cofres públicos, prejudicando também “a atratividade do mercado brasileiro de capitais como fonte de financiamento das atividades econômicas”. O texto cita também o relatório de 2020 em que a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que a Lei das Estatais deixou os conselhos de empresas públicas mais independentes de interferências político-partidárias.