Novo marco regulatório simplifica, reorganiza e traz avanços para as ofertas públicas

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Com a publicação de um conjunto de normas em julho deste ano, com destaque para a Resolução CVM n. 160/2022, a Comissão de Valores Mobiliários definiu um novo marco regulatório para as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários. Segundo Sérgio Goldstein, Head da área de Crédito Estruturado na Itaú Asset e responsável pelo Comitê de Renda Fixa da Anbima, o novo arcabouço normativo moderniza e simplifica as regras para as ofertas de ativos do mercado doméstico, ao mesmo tempo, que mantém a celeridade para as operações. “Olhando o esboço total da nova norma, minha visão é de que atinge os objetivos de simplificar, tornar mais célere e menos burocrática”, disse em entrevista exclusiva ao Panorama AMEC.

Quando as novas normas estavam em elaboração, Sérgio Goldstein era Vice-Presidente do Fórum de Mercado de Capitais e teve o papel de aglutinar as propostas tanto dos Comitês de Renda Fixa quanto de Renda Variável da Anbima para o envio de sugestões no processo de consulta pública da CVM. O especialista destaca a mudança nas regras que derrubou a limitação do número de investidores profissionais para as ofertas automáticas como um dos principais avanços do novo marco. “É bem interessante deixar de ter um número específico para oferecer, para vender a qualquer outro investidor profissional. É um golaço da CVM”, comentou em trecho da entrevista. Ele acredita que o mercado secundário de títulos ganhará maior liquidez.

Outro avanço importante é a incorporação, pela primeira vez, do conceito de “safe harbor” para as ofertas que estarão dispensadas de seguir exigências regulatórias. Neste mesmo ponto, o gestor apontou que a norma poderia ter avançado um pouco mais, porém, que sua introdução no arcabouço já representa um ato arrojado do órgão regulador. Confira a seguir a entrevista na íntegra:

Sergio Goldstein. Foto: Divulgação.

De forma geral, como avalia o contexto do novo marco regulatório das ofertas públicas?

Começamos as primeiras discussões para um novo modelo há aproximadamente quatro anos. É um trabalho importante da CVM, que traz mais flexibilidade e redução de custos regulatórios, mais simplicidade e agilidade. Claro que tem pontos que poderiam ter avançado mais. Mas no geral, é um belo legado que a CVM deixa para o mercado. Foi um trabalho conjunto de duas superintendências da Autarquia, a de mercado e a de registros. Em perspectiva, a Instrução CVM n. 476 foi criada muito mais como uma exceção do que para tomar a proporção e o tamanho que alcançou. A norma nasceu de uma consulta sobre venda privada e, desde então, foi utilizada para regular as ofertas para a renda fixa. Com o tempo, o que era exceção praticamente se tornou a regra predominante.

E como as novas resoluções podem incentivar a captação de recursos no mercado?

Toda vez que temos simplificação da regulação, há redução de custos de observância, e isso deixa o negócio mais simples. Acredito que haverá maior atração de participantes. Especialmente agora com as regras para os investidores profissionais, vejo que iremos criar um mercado secundário para essas ofertas ainda mais líquido na renda fixa. Isso ajudará bastante nas emissões, com o aumento do prazo e da duração dos papéis. Toda simplificação é bem-vinda e traz um ciclo virtuoso de obter mais participantes, mais ofertas e mais liquidez. Tenho uma visão bem positiva do novo marco.

E quais são as novidades nos formatos de realização de uma oferta?

A Resolução n. 160 organiza três formas de oferta para três públicos diferentes. Há a oferta mais simples quando está voltada para o investidor profissional. Há a oferta intermediária quando se mira o investidor qualificado. E existe a completa, que traz mais exigências, quando está voltada para o investidor de varejo. É um acerto muito grande para que se pense em três tipos de clientes com formas distintas de se realizar a oferta. Olhando o esboço total da nova norma, minha visão é de que atinge os objetivos de simplificar, tornar mais célere e menos burocrática.

Como avalia o fim das ofertas com esforços restritos da Instrução 476?

A meu ver, esse é um caminho natural. Não dá para manter uma regra que você tem um regulador de mercado de capitais que não vê a maior parte das ofertas. Então é uma mudança para o bem. Se a oferta 476 continuasse a ser realizada como uma exceção, com dispensa de registros e menos gastos, isso poderia ser razoável. Mas como a gente viu todo o mercado migrando para esse modelo, a construção já não era mais adequada. Então, para substituir as ofertas 476, agora teremos as ofertas automáticas, que acredito que garantirão celeridade e simplicidade. A CVM fez algumas mudanças trazendo até mais simplicidade para essas ofertas automáticas, mas passa a exigir que elas sejam registradas pela autarquia, diferente do que ocorre com a 476.

Então temos um verdadeiro avanço como a nova regra de ofertas automáticas, certo?

Minha visão é muito positiva. Acho que conseguiremos ter ofertas para investidores profissionais em que você não tenha mais limitação de número de investidores. É bem interessante deixar de ter um número específico para oferecer, para vender a qualquer outro investidor profissional. É um golaço da CVM. Desde que se classifique como investidor profissional e prepare o material mínimo, que hoje já é exigido, automaticamente a CVM recebe o registro e você já pode distribuir a sua oferta para o número de profissionais que você conseguiu encontrar. Mesmo entre eles, você não tem lock-up e, por isso, melhora a liquidez do papel no secundário. Na 476 tínhamos uma limitação do lock-up, que agora caiu. Representa outro passo importante.

Como vai funcionar a autorregulação para essas ofertas automáticas?

Uma mudança importante que a 160 traz é uma forma de o mercado se autorregular. É o que já acontece em vários mercados lá fora. Acho que a Anbima está cada vez mais preparada para fazer esse papel, tanto em capacidade de pessoas como em sistemas e processos internos. Ela vai precisar preparar um código para essa autorregulação, creio que isso já está em sua missão. É um trabalho que vai complementar a Resolução n. 160. Para o mercado é muito salutar, dar um pouco mais de liberdade, por meio da autorregulação.

Poderia citar aspectos das novas regras referentes à publicação de informações sobre as ofertas?

Tanto na 160 como em outras resoluções, a CVM vem buscando a criação de documentos que facilitem o entendimento do investidor daquela aplicação que ele está realizando. Hoje, os prospectos têm tantas páginas que servem mais como apólice de seguros do que como material de marketing da oferta. Conseguir reduzi-lo é um desejo de todos, para que realmente trabalhemos com um material que seja utilizado pelos investidores em suas decisões. A sugestão de utilizar lâminas, com a proposta de evitar repetições no prospecto, tudo isso é muito salutar, para o material servir cada vez mais para educar o investidor.

E temos também ampliação da lista de coordenadores de ofertas. Foi um movimento acertado?

A Resolução 161 trouxe a possibilidade de atuação de outros agentes como coordenadores de ofertas, listando pontos que precisam ser cumpridos para essa participação. Minha visão é de que, sempre que você trouxer novos participantes, desde que eles tenham a mesma carga regulatória, é algo interessante. Mas é preciso cuidado para não haver assimetria regulatória. Tirando essa preocupação, representa uma evolução quando bem utilizada.

E como ficaram as regras de bookbuilding para renda fixa?

Anteriormente havia aquelas regras que, se você tivesse excesso de demanda de uma determinada oferta, deveria cortar as pessoas que eram vinculadas à oferta. Se tivesse uma demanda superior a um terço da oferta. A regra anterior não tratava o caso de uma oferta, por exemplo, que registrasse a adesão de 90% de não vinculados e 50% de adesão de vinculados. Ou seja, neste exemplo, seria uma demanda de 140%. A nova regra esclareceu que os vinculados não serão contabilizados para o cálculo do excedente da demanda. Isso é um esclarecimento importante.

E quais outros pontos você destacaria, considerando se tratar de uma norma extensa?

Veja que pela primeira vez a CVM aborda o que se entende por ofertas privadas, ao detalhar aquelas que não estariam sujeitas ao registro (safe harbor), o que foi um grande acerto. Outros pontos interessantes foram os esclarecimentos sobre o período de silêncio. Acho que ficou mais fácil para todos entenderem o que pode ou não fazer. As regras de bookbuilding, tanto de renda fixa como de renda variável, mas especialmente as mudanças feitas na renda fixa são mudanças técnicas e bastante interessantes para o mercado.

Há algum aspecto que poderia ter avançado ainda mais?

Um ponto que acho que ainda há oportunidades de aperfeiçoamento é o próprio “safe harbor”, que trata da oferta privada. Como já disse, foi um passo importante, mas que talvez poderia ter sido ainda maior. Sem querer tirar o mérito da CVM, poderia ter avançado mais. Em todo caso, reitero que há muito mais ganhos do que necessidade de ajustes nas novas regras. É uma resolução corajosa preparada com muito cuidado e zelo.