Transações com Partes Relacionadas: do conceito à falta de transparência

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Casos recentes de conflitos de interesse em Transações com Partes Relacionadas (TPR) com notável prejuízo aos acionistas minoritários têm gerado de alerta para o mercado brasileiro, alimentando um debate acerca da necessidade de mudanças na legislação e na regulação, para dar instrumentos e poderes para o exercício de enforcement pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Mas, afinal, o que configura uma TPR? Basicamente, tal operação é caracterizada pela transferência de recursos, serviços ou obrigações entre a empresa e uma parte relacionada pertencente a um mesmo grupo econômico. É comum que sociedades integrantes de um mesmo grupo, ou seja, que tenham um mesmo controlador, realizem transações entre si para aproveitar sinergias, alcançar eficiência operacional e, assim, melhorar seu resultado conjuntamente considerado, segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Vale lembrar que as TPR são muito comuns e, muitas vezes, são operações legítimas. No entanto, há transações que não são realizadas em condições adequadas de mercado e acabam prejudicando os acionistas. Na prática, muitas transações envolvem matrizes sediadas em outros países e suas subsidiárias em operações que procuram conseguir condições tributárias mais vantajosas.

Tipos de TPR

Conceitualmente, especialistas classificam as transações em três diferentes grupos. O primeiro para operações societárias, que requerem a deliberação em assembleia. O segundo abrange relações comerciais, em que o controlador geralmente delibera pela realização da transação com a parte relacionada. Já o terceiro, inclui as transações operacionais do dia a dia, por exemplo, centros de serviços compartilhados, departamento jurídico que trabalha para vários CNPJs, entre outros.

Segundo André Camargo, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e sócio do escritório Tozzini Freire Advogados, as diferenças entre os tipos de TPR justificam regulamentações distintas.

“Se estamos falando de operação societária, é bem defensável que exista uma regulação que indique a deliberação em Assembleia”, defende Camargo.

Os especialistas divergem a respeito das transações comerciais. Alguns defendem que também devem ser objeto de regulação e enforcement, mas outros acreditam que não devem incidir regras específicas de conduta nestes casos. Já para as transações operacionais, mais corriqueiras, a própria empresa e seus acionistas devem se autorregular.

Governança

Boa parte do debate ao redor de TPRs gira em torno da necessidade de fortalecer as regulamentações para dirimir conflitos societários. No entanto, André Camargo, alerta que não basta apenas criar regulações, é necessário aperfeiçoar os mecanismos de governança dentro das empresas.

A governança adequada em relação às TPR começa com o estatuto social, que deve atribuir o que deve ser decidido em assembleia, conselho ou diretoria. É necessário contar com uma política interna que discipline a questão e de um órgão específico ou um conjunto de órgãos que façam o monitoramento, que normalmente é função do comitê de auditoria. “É preciso contar com uma gestão das partes relacionadas e comunicar isso ao mercado”, orienta o especialista.

Outro ponto em discussão é a exigência da criação e manutenção de um comitê de assessoramento do conselho das companhias abertas, que seja especializado em partes relacionadas. Algumas empresas já contam com esse comitê, mas não existe uma exigência legal.

“Em tese, daria credibilidade para as transações mais importantes, porque se coloca um grupo técnico, com independência, com pessoal de mercado, gente sem conflito de interesse. É uma ideia boa, mas eu acho que ela ainda precisa ser maturada”, aponta André Camargo.

Atualmente, os reguladores demandam somente alguns tipos de documentação, incluindo um comunicado que a CVM exige até sete dias após a celebração da transação, a necessidade de que essas transações sejam declaradas no item 16 do formulário de referência, além do informe de governança.

É necessário, também, que as TPRs constem anualmente nas notas explicativas de balanço, segundo as diretrizes do Comitê de Pronunciamentos Contábeis.  A publicação deve avaliar as condições da transação, os equivalentes, os prazos e as garantias.

E do ponto de vista material, há diversas orientações de como fazer um instrumento por escrito, como negociar e fechar a cotação de preço. “Temos a parte do fluxo procedimental e temos a parte de conteúdo. Ou seja, é necessário contar com um sistema completo de tratamento de uma TPR”, esclarece Camargo.

A qualidade da divulgação das informações é um ponto de atenção para os auditores independentes que devem certificar as operações – e nem sempre a documentação contém elementos suficientes para a análise adequada.

Neste cenário, o diretor técnico do Instituto dos Auditores Independentes (Ibracon Brasil), Rogério Mota, cita a identificação dos riscos de distorção das TPR como a maior dificuldade do auditor, sendo que muitas vezes há obstáculos até para identificar se o negócio envolve uma parte relacionada ou não. “As áreas de risco que envolvem os grandes grupos econômicos devem estar sempre no radar do auditor. Nem sempre é fácil de capturar”, comenta Mota.

Experiência internacional

Há dois exemplos recentes de economias que definiram uma regulação específica para as TPR. Um deles é o da Itália, que conseguiu fazer uma grande revisão do mercado de capitais em 2017, antes da pandemia. Os italianos criaram um fast track para transações corriqueiras. Ou seja, aquelas transações que já são esperadas tem um sistema de tratamento mais simples e ágil.

O segundo exemplo é o chileno que realizou uma mudança recente no sentido de agrupar as partes relacionadas por tipo. É um sistema que classifica a transação em operação societária, comercial ou operacional.