“Tsunami ESG” atinge Brasil junto com novas tendências de Impacto e Clima

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Há mais de uma década que se ouve falar na importância dos princípios e práticas ESG (Ambientais, Sociais e de Governança) na tomada de decisão de investimentos. A verdade é que a adoção de tais condutas pelos investidores no Brasil e o avanço das práticas pelas próprias empresas demonstravam pouca evolução no mercado doméstico. Isso mudou rapidamente. Com mais força desde o ano passado na Europa e EUA, uma onda ESG atingiu grandes proporções no mundo e trouxe novas tendências, incluindo as discussões de Clima e Impacto, explicou Gustavo Pimentel, diretor da Sitawi, em evento na Amec.

Na abertura do encontro, o Presidente-Executivo da Amec, Fábio Coelho, disse que o assunto sustentabilidade ganhou visibilidade e que a Associação rapidamente incorporou o tema nas discussões entre associados. Como exemplo, citou que a Amec buscou se aproximação com diversas instituições, incluindo consultorias, governo, terceiro setor e organismos internacionais. Lembrou que o próprio Código de Stewardship da Amec, lançado em 2016, tem um viés muito forte no tema ESG.

Gustavo Pimentel, da Sitawi. Foto: Divulgação.

Gustavo Pimentel apresentou dois fatores que estão impulsionando o tema socioambiental no Brasil. Um deles é que as grandes casas e assets globais têm ampliado a adoção das práticas e princípios ESG, inclusive com a realização de diligências nas empresas investidas. As assets estão fortalecendo suas equipes de analistas dedicados aos temas de sustentabilidade e isso tudo está influenciando o mercado local.

O segundo ponto que ajudou a alavancar o segmento no Brasil foi a rápida e recente adesão dos family offices e private wealth domésticos ao conceito. Enquanto lá fora, o ESG avançou com mais força entre os fundos de pensão e grandes investidores institucionais, aqui no mercado local, a forte adesão do segmento de private ajudou na curva de inflexão para aumentar a temperatura destas questões.

O especialista concentrou a primeira parte de sua apresentação para diferenciar as metodologias e códigos de ESG daqueles que são denominados de Investimentos de Impacto. A questão ESG tem uma trajetória mais antiga se comparada com a discussão do Impacto, mas no final existe uma tendência de convergência entre as duas perspectivas.

“Todos estão falando no tema do ESG, mas existe uma agenda mais recente que é a do Impacto. O Brasil está dando um salto mais rápido que nos mercados desenvolvidos. Lá fora, o avanço ocorreu passo a passo. Aqui está ocorrendo algo similar ao que se chama ‘leapfrog’, que significa um salto tecnológico”, explicou Pimentel.

O especialista explicou que os investimentos responsáveis se preocupam em avaliar como os critérios ESG afetam os ativos. Já o investimento de Impacto se preocupa como o investimento pode levar os projetos socioambientais para as empresas. Pimentel comentou que o critério do investimento de impacto vem ganhando força nos mercados, sobretudo na Europa, com a participação de fundos de pensão e assets. Nestes mercados, existe uma tendência de se analisar os portfólios com a ótica dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) – que são os 17 objetivos sustentáveis da ONU.

O especialista alertou, porém, que o método tem algumas limitações. “Um dos problemas é que os ODS são mais voltados para o setor público. Isso gera dificuldade de utilização pelo setor privado para mensurar o alinhamento do portfólio”, disse.

Outro framework que adota a perspectiva do Impacto é o “Impact Management Project” (IMP), que envolve o PRI, o GRI, a ONU e outras organizações. Eles criaram o chamado ABC do Impacto, nas iniciais em inglês. O “A” faz referência a avoid, em relação ao que se deve evitar. O “B” vem de benefit, referindo-se aos benefícios para os stakeholders. E o “C” de contribute, que diz respeito às soluções. Para os gestores de recursos, sobretudo de renda variável, o ABC do Impacto é mais adaptado a essas carteiras se comparados aos ODS, que são mais restritos, afirmou Pimentel.

Perspectiva do “Clima”

Depois de permanecer nos últimos sete ou oito anos sem contar com avanços muito significativos no Brasil, desde o ano passado, o tema ESG vem ganhando proporções inimagináveis. E além da questão do Impacto, já traz consigo uma nova tendência relacionada às mudanças climáticas, denominada simplesmente de Clima.

Esta perspectiva das mudanças climáticas analisa os elementos ambientais que afetam o desempenho econômico do portfólio. “Se as mudanças climáticas trazem transformações no cenário físico, riscos de transição, entre outros, então os ativos ficam expostos aos riscos e eles se materializam. Então pode ocorrer algum tipo de perda. É o que se chama de risco climático do portfólio”, explicou Pimentel.

A análise do Clima pode ser incorporada nas carteiras da mesma maneira que o ESG em geral. É possível fazer filtro negativo, investimento temático, best in class, ficar over ou under, integração ESG. “Tudo isso, pode ser utilizado para o recorte só para clima”, disse o especialista. Explicou que o Clima é um tema dentro do ESG ainda bastante negligenciado no Brasil.

Uma das explicações para isso é que o Brasil nunca teve um mercado de carbono regulado, diferente do que aconteceu em outros mercados principalmente de países europeus. Nestes mercados, o efeito clima começou a afetar o desempenho econômico das empresas devido ao funcionamento e ampliação dos ativos de carbono. “O investidor europeu incorporou a questão do carbono na análise fundamentalista das empresas”, explicou. Mas fez uma ressalva, que apesar de não haver um mercado regulado, existe uma atividade de carbono voluntário. E agora há pouco tempo foram realizadas as primeiras negociações com a RenovaBio, que é um mercado de carbono do setor de combustíveis (leia mais).

Maior objetividade

As metodologias relacionadas às análises de Clima tiveram maior avanço na definição de consenso das métricas para avaliação dos efeitos nas carteiras de investimentos em comparação com as análises ESG e de “Impacto”, segundo explicou Pimentel. Por isso, a integração das métricas relacionadas às mudanças climáticas com clima é mais fácil que o ESG e Impacto, pois em ambos persiste uma guerra dos frameworks, que tem um caráter mais subjetivo.

Na perspectiva do “Clima” surgiu a TCFD – Task Force on Climate-related Financial Disclosures – que se tornará padrão obrigatório, por exemplo, no Reino Unido e em algumas jurisdições da Europa a partir de 2021 e 2022. Enquanto os frameworks de ESG e Impacto demoraram quase 20 anos para serem construídos, e ainda persistirem com questionamentos de subjetividade, o TCFD avançou rapidamente na avaliação dos critérios climáticos das carteiras, ganhando a adesão dos investidores e dos reguladores.

Por isso, a questão do Clima já conta com métricas muito mais objetivas. Então, a integração dos critérios ambientais com as decisões de investimentos é mais fácil, comentou Pimentel. “A análise climática gira em torno de três requisitos básicos: pegada de carbono, risco físico e risco de transição. Pegada é bem objetiva e quantitativa. Riscos são um pouco menos objetivos, mesmo assim, têm simplificação”, explicou.

Por onde começar?

Em sua apresentação, o especialista transmitiu algumas recomendações para as assets que desejam dar os primeiros passos para incluir a abordagem do ESG. Pimentel explicou que o primeiro passo é refletir sobre a motivação para a decisão e quanto mais alinhado com os princípios e valores da organização, maior a chance de se implantar algo mais consistente. “Se for só por uma demanda dos clientes, geralmente o processo tende a ser menos consistente. É mais interessante quando está alinhado com a filosofia e os valores da asset”, comentou.

Para as gestoras de grande porte, que trabalham com vários produtos, recomendou o início da integração com o tema ESG pela renda variável, por exemplo, por um produto com estratégia Long Only. Para as assets do tipo “single strategy”, indicou o caminho da materialidade, para analisar empresas que já estão no portfólio e não com o conjunto total de empresas analisadas.